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quarta-feira, março 15, 2006

"Pompas e Circunstâncias"


Um correspondente do NY Times (desculpem, não gravei o nome dele) escreveu recentemente matéria sobre a cidade de São Paulo, segundo ele “não tão fácil de se apaixonar como são Paris, Rio de Janeiro e Buenos Aires”. O texto, decerto porque traduzido, provavelmente perdeu um pouco do encanto original, mas é simpático. Faz uma varredura pelos encantos e desencantos da capital paulista, que em alguns quesitos tem “classe mundial”, conforme análise do correspondente.

Num certo momento, o repórter acomoda-se numa mesa do D.O.M., um dos restaurantes mais sofisticados de São Paulo e escreve que uma refeição, ao custo de R$ 160,00 por pessoa, é engolida “por famílias ricas, tão indiferentes aos seus jantares que falam ao celular enquanto comem”, acrescentando que esses comensais abastados “deveriam prestar mais atenção, porque a comida é soberba”.

Aqui em casa, minha secretária, que cuida de minha mãe, tem inteira liberdade para comer e beber o que desejar, embora a despensa não seja farta e a alimentação disponível empata, no máximo, com o prato-feito servido no centro da cidade. Quando ela pega um refrigerante, no entanto, age – de certa forma – como os ricaços do D.O.M. paulistano: bebe quase toda a garrafa, com uma avidez que verdadeiramente me comove, e profundamente. Com mais de 35 anos, de família pobre, negra, ela certamente deve ter enfrentado muita dificuldade na vida até para tomar um refrigerante. Não creio que consiga nem reter o paladar do que está tomando, tamanha é a sofreguidão com que ingere a bebida. Dois exemplos opostos, da riqueza à pobreza num piscar de olhos. Mas, é a reprodução perfeita da desigualdade que torna este país tão injusto e, às vezes, intolerável. É nessas horas que me parece muito sensato subverter toda e qualquer ordem, pois a que está posta aí é falida.